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Marcus Vinicius Boaretto Cezillo
Criar Ribeirão Preto

A utopia que não morre

O caráter sonhador, típico das crianças, é bastante reduzido pela imposição de um pensamento cartesiano que "envelhece" o indivíduo, cada vez mais cedo, por não permitir a "alienação" fora dos sacros limites de moral burguesa. Sonhar com outro mundo tornou-se utopia, "coisa de criança" ou loucura, enquanto sonhar com um carro novo ou muito dinheiro tornou-se realidade, sinal de maturidade.

Essa inversão de valores parece ter decretado o fim das utopias aos olhos de muitos. A deterioração das condições de vida da maioria, associada aos fracassos da esquerda na história, tem contribuído para a descrença em uma mudança concreta e fortalecido a idéia do conformismo, a aceitação da realidade diante do impotente ser humano à espera de um milagre.

Desde a Grécia Antiga, com os irmãos Graco, até o atual MST e outros movimentos sociais, a luta por outra realidade tem sofrido duro revés, porém, é a utopia da transformação que mantém de nove séculos em profunda ligação. E é justamente a imortalidade dessas idéias que incomoda o status quo e fez os meios de comunicação decretarem a morte da utopia, anunciarem o fim da URSS, a incipiente abertura cubana e o fracasso de projetos alternativos como o término das últimas esperanças.

Vê-se a mudança do mundo com utopia, mas a sua destruição é realidade incontestável diante da agressão ambiental e humana insustentáveis. O imediatismo fez com que sonhos ganhassem prazo de validade, expirado no ato do consumo, fortalecendo a idéia do fim das utopias. Apenas idéias, pois a crescente mobilização social latino americana tem resgatado o papel da utopia, as manifestações anti-globalização, por modelos sócio-ambientais sustentáveis, têm mantido o sonho vivo em meio ao anúncio de seu fim.

Ainda que o caráter sonhador tenha sido bastante reduzido, as lacunas deixadas pela realidade colocam em relevo essa inversão de valores, fazendo necessário ser utópico, sonhador, "louco", diante da mórbida coerência dos "lúcidos", cuja realidade morre cada vez que a utopia se mostra mais viva.