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Ana Lídia Viaro
Criar Ribeirão Preto

Por favor, cumprimentem os garis!

Para não sermos ou, no mínimo, não parecermos utópicos e ilusórios demais, aceitemos algum tipo de invisibilidade. Essa gerada, sem absurdos, como fruto de um capitalismo pseudo-democrático passa a ser inevitável. No entanto, demos ênfase àquela sem justificativa paupável, àquela em que o cotidiano acelerado não serve como desculpa. O mordomo de Norma Desmond foi notado verdadeiramente após uma surpresa no fim do filme. Inácio não valorizava Garrido Fernades e nem o papagaio roubado deixava de zombá-lo. Macabea conseguiu aglomerar algumas pessoas à sua volta somente no momento em que foi atropelada. Tais absurdos concretizam-se em formas mais sutis a cada dia.

O mordomo de Norma Desmond, do filme "Crepúsculo dos deuses", cujo nome por algum motivo não me lembro, foi notado apenas após ser explícito que um dia foi casado com essa estrela do cinema. Mesmo com o brilho dela já ofuscado a carga de visibilidade é carregada. Ele que por amor a ela aceitou essa profissão muito pouco valorizada acabou por deixar de ser visto até por sua ex-mulher. Isso foi um exemplo do que comumente lidamos no dia-a-dia. Passamos por psicólogos fantasiados de invisibilidade, desculpem-me, de gari, e nem sequer um "bom dia" lembramos de desejar. Não se pode arrumar justificativas para tal atitude; pois assim enfatizaremos o descaso para com seres humanos vítimas da necessidade de interação nessa pseudo-democrática economia.

Inácia não valorizava o coxo, pobre e não estudado Garrido Fernandes. Isso por que treinava, ao ouvir o rádio, palavras difíceis para surpreendê-la - não adiantava. Nesse livro, "Luanda" de José Luandino, nem o papagaio respeitava-o. Chamava-o ofensivamente de "Kam’tuto", por ter aprendido com Inácia. Nem para roubar patos ele servia. Era visto apenas como comédia ao povo notar o rastro feito pelo seu pé (na terra), que não levantava do chão. Hoje e, para não ser omisso, sempre escolhemos esteriótipos e os transformamos em seres invisíveis. Deficientes físicos são os "coitados incapazes". Prostitutas são "vagabundas". Gay são "viados". Esses e vários outros tipos sociais tornam-se invisíveis ao perderem um crédito de opinião. São vistos como não formadores da ambicionada sociedade perfeita.

Macabea, do livro de Clarice Lispector "A hora da estrela", também treinava palavras, achava que assim seria um pouco mais vista. Mas por saber de sua incapacidade de ser notado e valorizado apenas desculpava-se, por exemplo, o Olímpico, quando esse a humilhava. Pôde vomitar uma "estrela de mil pontas" ao ter sido atropelada. Seus vários sonhos saíram ao notar pessoas a olhá-la. Atrapalhou o trânsito. Ela é um bom exemplo de invisibilidade social ao aglomerar vários tipos dessa. Não possui dinheiro, nem cultura, nem beleza, nem emprego valorizado. Coitada! Transformou-se em coitada.

Concretizam-se a cada dia e são incorporados sem notarmos. Continuamos a ignorar mordomos, garridos fernandes, garis e macabeas. Ao conscientizarmo-nos disso soltamos a fala: "mas não é de propósito!", o que faz ser ainda pior. A correria do cotidiano também é ótima justificativa. Porém, para admirarmos normas desmonds temos muito tempo. Algum projeto em mente? Não, afinal é difícil em uma sociedade que abraço o falsamente justo capitalismo. Alguma atitude pessoal importante a praticar? Por favor, cumprimentar os garis.