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Ana Lídia Viaro
Criar Ribeirão Preto

O instinto que aperta o gatilho

Norma Desmond (Glória Suason), do filme "Crepúsculo dos Deuses", é uma personagem expressivamente capacitada para estampar o papel da vingança no mundo moderno. Ao matar Willian Holden, inocente escritor, deixa explícito o quão inadequada é tal atitude na sociedade em que vivemos. O perdão foi criado para contrabalancear este discriminado sentimento chamado vingança. Julgamo-nos anti-éticos, no entanto é do uso dele que resultam estímulos e justiças ambicionadas por nós. Do perdão, conseguimos consolo; da vingança, conseguimos pregar a ética e, assim, usando de artifícios importantes "mantemos" da famosa civilização racional.

A tão discutida vingança é estudada desde meio século antes do nascimento de Cristo. Hoje, já é interpretada como um sentimento da mesma forma que o medo e o amor. Fantasiada e espetacularizada como algo extremamente negativo aflora em todas as mentes quando o assunto é um desejo de justiça, principalmente pessoal. No entanto, é evitada ao surgir o conceito de ética. Conseguimos, parcialmente, controlar este "sentimento" quando à nossa volta existem regras, leis e pessoas responsáveis por nos atar e nos calar, indiretamente. Porém não somos tão "bons" assim. Apoiamos punições e muitas vezes até pena de morte para praticar aquilo que somos proibidos de fazer por conta própria.

Ambicionada por muitos, a tão bela e bondosa virtude chamada perdão pode ser interpretada como ótima arma intimidadora de grandes revoltas. Foi usada no discurso de Bob Kennedy para acalmar os admiradores do líder pacifista Martin Luther King, por este ter sido assassinado. O título de belo é justo ao termos consciência que "esquecer" fatos que não nos agradam é um trabalho extremamente árduo. Mas não é equívoco interpretar tal virtude como intensificadora do sentimento discriminado sobre o ato de retaliação. Ao vangloriarmos aquela passamos a rejeitar ainda mais este. Fato ótimo para mantermos a ordem da civilização, porém extremamente opressos dos instintos humanos.

O biólogo Keith Jensen acredita que as raízes da vingança precedem o surgimento do Homo sapiens. A existência desse sentimento nos chipanzés já foi comprovada. A visível diferença existente entre os seres humanos e os outros animais é o tão discutido racionalismo. Tal característica inédita é responsável por atribuir aos homens capacidade de controle de seus sentimentos.  Não podemos considerar ruim a opressão de instintos, afinal eles são os que permitem manter a ordem dessa sociedade que sofre mudanças incontáveis. A vingança, se não praticada pessoalmente (para não gerar desordem), é extremamente importante. Quando as Leis não se fazem sólidas, outros artifícios são usados. Mussolini praticava vingança ao usufruir dos "camisas negras" para punir aquilo que julgava indevido.

Norma Desmond realmente matou Willian. Não aceitou as verdades ditas por ele e com seu instinto apertou o gatilho. Quatro tiros representaram o descontrole desta mulher que supostamente foi para o hospício. Loucos irracionais são aqueles que não conseguem "segurar" o espírito vingativo que neles aflora. Bondoso é aquele povo que perdoa o assassino do seu querido líder. Calamo-nos por entre conceitos de bom e de ruim. Aquilo que era para ser apenas um instinto passou a ser arma de controle da ordem civilizacional. A virtude que deveria ser real passa a ser uma obrigação da boa população que vive nesse mundo bom. E, dessa forma, incrementamos o conceito de controle pessoal para ajustarmos as novas formas da sociedade.