MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Ana Lídia Viaro
Criar Ribeirão Preto

Baseada em miragens

A cegueira que assola os governantes é a mesma que assola o povo. Se querem culpar um pouco mais aqueles o façam por ter consciência que eles direcionam esses buscadores de razão para viver. Os administradores do povo possuem uma real obrigação implícita, a favor ou até contra eles mesmos, que é a incessante instigação de uma procura de ideologia, afinal, segundo Cazuza, queremos uma para viver. Optamos pela cegueira a partir do momento em que questionamos pesadamente o passado e o futuro, e isso acaba por atrapalhar o presente. Alguns apóiam cegamente o dito em que "em terra de cego quem tem um olho é rei". Discordo ao entender que os que enxergam são os desmotivados não possuidores de uma ideologia. Em um misto ilusório de perfeição o filme "Ensaio Sobre a Cegueira" é responsável por polemizar ainda mais esse assunto, com ele também passo a concordar com o dito.

Coitado do leiteiro, do poema de Drummond, intencionava apenas exercer seu papel no presente com supostas pretensões para o futuro. Foi "podado" ao ter sido vítima da cegueira de um homem assustado. E esse, ao precisar defender-se, poderá usar do argumentado de que estava cego e que agiu no impulso. Mas ele dificilmente perceberá que realmente está cego e esse sério mal priva-o de enxergar que ao deduzir, em seu impulso; que aquele homem era um ladrão e não qualquer outra pessoa dotada de boas intenções, circunstâncias mais pavorosas fazem-se presentes. Um impulso voltado para o bem seria mais aceitável no mundo dos esperançosos. A cegueira sustentadora do totalitarismo também exerce papel negativo ao vendar justiças e democracias, apesar de estabelecer a tão necessária ordem. A teoria de John Lennon que diz que "o mundo viverá como um único", se abandonar cegueiras doadoras de esperança, fica cada vez mais difícil de ser posto em prática.

"Tudo vale a pena se a alma não é pequena", disse Fernando Pessoa. E, com isso podemos aceitar uma venda nos olhos responsável por atribuir razão àquilo muitas vezes questionável. Passamos a não poder discriminar o ocorrido em Stalingrado. A cegueira, que tal povo foi submetido, mesmo usada de forma prejudicial, era o que permitia e até instigava o viver. O abraçar desse ideal anula questionamentos perigosos sobre o valor das ações praticadas por nós. No filme "Ensaio Sobre a Cegueira", a única mulher que enxergava era a mesma que possuía maiores aflições. Entre cegos o melhor é sê-lo também. Ela até poderia ter sido considerada a rainha do lugar, afinal possuía a tão ambicionada arma: a visão. No entanto evitou ao máximo que o povo descobrisse que ali ela era a diferente. Sabia que ser rainha, naquela circunstância, comprometeria a sua vida.

No fundo, deveríamos agradecer os cegos governantes que com seus discursos populistas intensificaram nossa cegueira ao nos fazer acreditar nas propostas doadoras de esperança. No entanto, a falta de limites é responsável por criar vítimas como o coitado do leiteiro que foi morto pelo medo facilmente encontrado. Convém retirarmos essa venda tapadora das vontades de revolução. Descobrir que possuímos direitos a serem exigidos e um grande passo a ser dado. Quanto à venda relacionada às ideologias julgo-a necessária. Não vejo problemas em viver uma vida baseada em miragens, afinal deduzo que poucas pessoas gostariam de ser a única pessoa que enxerga, como a mulher do filme dirigido por Fernando Meireles.