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Bruno Silva Maríncolo
Criar Ribeirão Preto

Receita do tempo

A rápida passagem do tempo, ocasionada principalmente pelos avanços tecnológicos em larga escala, tem trazido à sociedade um sentimento de angústia e inquietude. A incessante busca pelo futuro, contrariada pelos árcades, faz do presente e do passado meros auxiliadores para o entendimento de como será o mundo. Projeções no âmbito econômico e ambiental para o planeta são exemplos de como o ser humano preocupa-se com a velocidade, com o intuito de, através das Revoluções Industriais, acelerar ainda mais a passagem do mesmo.

A maneira como a História é contada nas escolas mostra-nos como ele é volátil. Em aulas de quarenta e cinco minutos nos são contados fatos, revoluções e guerras que duraram cinquenta anos ou mais. No entanto, a forma acelerada como são passados aos alunos não dá a dimensão de quanto tempo demorou para que aquele ideal ou acontecimento se concretizasse. E assim torna-se tão rápido que às vezes perdemos a noção e mal sabemos que ano ou dia da semana é.

Do mesmo modo que o presente está para os árcades, o futuro está para nós. Não vemos a hora de chegar o final de semana quando ainda é segunda-feira. Ou quando é a prova do vestibular para podermos sair da escola e entrar na universidade. E logo que entramos nela já estamos pensando no mercado de trabalho. Parecemo-nos muito com Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que era engenheiro e preocupava-se essencialmente com o amanhã (visionário), com as máquinas e com a velocidade.

Assim como Salvador Dali, em seu quadro "A Persistência Da Memória" de 1931(relógios derretendo), Lulu Santos retoma, várias décadas depois, o tema da passagem etérea do tempo com a música "Tempos Modernos". No trecho: "Hoje o tempo voa amor, escorre pelas mãos" é perceptível a aproximação de sentido entre a palavra "escorre" na música e o fato de os "relógios derreterem" na representação de Dali. Para eles o tempo não é como para José Fernandes, da obra "A Cidade e as Serras" de Eça de Queirós, que é tipicamente árcade e valoriza o "carpe diem" em detrimento da rápida passagem do mesmo. Dali e Lulu são inconfundíveis defensores de que ele não para, sendo que "escorre" ou "derrete" cada vez mais.

É notável que o tempo tem ganhado velocidade e que as projeções estão mais presentes em nossas vidas. Sejam políticas, econômicas ou ambientais estão essencialmente preocupadas em fazer um desenho do futuro do mundo. Tornamo-nos verdadeiros "Álvaros" de Campos e perdemos a noção do agora sem perceber que a forma como interpretamos o passado e conduzimos o presente é essencial para criarmos um "quadro" do futuro. E assim como Dali fez com "A Persistência da Memória" em 1931 imaginando sua época ou décadas a sua frente, pode-se mudar o verso do poema "Receita de Mulher" de Vinícius de Moraes "As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental" para os "Os muito céticos que me perdoem, mas o futuro para nós é fundamental" e deixá-lo às gerações futuras como a "Receita do Tempo".