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André Mello Gerhardt
Criar Ribeirão Preto

Química da obviedade

Governo é governo. Para Fabiano era óbvio que quem mandava era o governo e ponto. Foi sob esse dogma inconsciente que o bom sertanejo de Graciliano deixou escapar a chance de se vingar do guarda amarelo. Fica nítido que o óbvio nem sempre é a síntese de uma verdade absoluta. Dotado de um caráter relativo, deve ser analisado munido por perspectivas diferentes. Infelizmente tal artifício, o óbvio, é usado muitas vezes unilateralmente como estratégia de dominação da massa. E sob doses homeopáticas é adicionado à água dos veículos de comunicação que abastece a opinião pública. Com diferentes composições, tais doses alienantes foram utilizadas ao longo da história.

Ópio. A religião foi a principal droga alienante das camadas baixas, sobretudo na Idade Média. Usando o discurso de que a sociedade era dividida em estamentos fixos, cada qual com seu respectivo papel - pois obviamente Deus quis assim - impôs pela hóstia uma dominação hostil. E fez até mesmo o esclarecido Galileu, que defendia o modelo copernicano do heliocentrismo, negar sua heresia sob pretexto de ir para fogueira, assumindo publicamente que era óbvio que a igreja é quem tinha a razão, prevalecendo o geocentrismo. Ao longo dos séculos esse alienante vai se desgastando.

Ódio. Instigado pelos regimes totalitários, nazi-facismo, no começo do séc xx, culpou os Judeus e as demais minorias como os grandes responsáveis pelo desemprego e os outros problemas do Estado. Assim, era óbvio que as coisas só melhorariam para a população ariana após uma limpeza étnica, o holocausto. Esse alienante ufanista foi arduamente combatido pelos aliados durante a II Guerra Mundial.

Ócio. Essa é a mais potente droga alienante do séc XXI. Age principalmente na classe média, incluindo-se a parcela mais instruída. O efeito paralisador dessa substância impede a atitude e ação de protesto diante de injustiça e descobertas de esquemas e mais esquemas de corrupção e superfaturamento do dinheiro público pelas esferas dominantes: os políticos, nossos representantes. Impregnados pelo chavão de que "é óbvio que o Brasil não tem mais jeito", nos acomodamos - eu me incluo nisso - com a pedra no meio do caminho.

Diante da análise substancial do óbvio ao longo das gerações, por fim, fica claro que é necessário uma vacina contra as inverdades e dogmas conservadores que petrificam o indivíduo. Essa vacina já existe, é a leitura. Só ela é capaz de abrir a mente do indivíduo de tal forma a aumentar exponencialmente sua percepção e visão crítica de mundo. Aí fica claro que o óbvio quase sempre é relativo. A leitura funciona também como combustível que move a atitude, para tiras as pedras do caminho da nossa nação. Assim, Fabianos um dia entenderão que governo, antes de tudo, deve ser representantes escolhidos pelo povo para trabalharem em prol da nação, regando e saciando-a com águas de transparência política. Voto consciente é governo. Isso sim, deve ser óbvio.