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Andréa Beltrami
Criar São Carlos

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Poema tirado de uma notícia de jornal. "João Gostoso era carregador de feira livre ele morava no morro da Babilônia num barracão sem número/ Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro/ bebeu/ Cantou/ Dançou/ Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado". Manuel Bandeira, sutilmente, através dessa poesia, desmascara a hipocrisia de uma sociedade burguesa, ainda romântica, interessada em tragédias, mortes e nos fatos ligados à sua classe social.

Os jornais, assim como todos os outros meios de comunicação social, evidenciam um legado romântico. Como a literatura de outrora, o que nos chega através desses meios é feito pela burguesia e para a burguesia. Desse modo, a existência de uma indústria cultural, que determina nossas opções de entretenimento e de informação, está atrelada à venda, ao consumo, e não à ética. Nesse contexto, faz muito sentido filmar a morte para que os telespectadores valorizem a vida e a vivam intensamente: consumindo.

Entretanto, o inferno nem sempre são somente os outros, e o homem - ser dotado de um mesencéfalo altamente desenvolvido - possui a estranha característica, destacada por Virgílio, de observar a desgraça alheia, não por prazer, mas "porque é bom observar os males que não se sofrem." Assim, mortes, doenças terminais, brigas de casais estão em documentários, como o da atriz Fará Fawcett, em programas diários na televisão e em notícias, desde o início do século, fazendo de joões "ninguéns", "alguéns" pelas tragédias em lagoas Rodrigo de Freitas.

Além desse desejo humano de ver desgraças que não se sofrem, há o instinto reprodutor ligado à sexualidade, intrínseco ao animal, que confere audiência aos programas contendo cenas erotizadas. Assim, pelos meios de comunicação, o erotismo, a curiosidade pelo sofrimento alheio e outro quereres são, morbidamente, simples adaptações ao meio, que num processo de seleção natural, podem significar a sobrevivência, ou não, dos meios de comunicação.

Na disputa pela audiência, não há ética, pelo simples fato de que nem nossos instintos ou nosso desejo observado por Virgílio, nem a indústria cultural e seus artefatos de persuasão seguem valores morais de respeito ou privacidade. Há apenas a luta pela sobrevivência, de programas, jornais e revistas e uma hipocrisia de que nós receptores somos corrompidos, quando na verdade atuamos como seletores naturais.