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Isabela Ferreira Sauer
Criar Ribeirão Preto

A hora da estrela

"Hoje é o primeiro dia de minha vida: nasci" Essas foram as palavras de Macabéa, do livro de Clarice Lispector, "A hora da estrela", ao ser atropelada. Paradoxalmente, é na hora de sua morte que ela tem consciência de si mesma, à medida em que ganhou minutos efêmeros de atenção e visibilidade de pedestres e motoristas presentes - havia atrapalhado o trânsito! Do plano abstrato para o concreto, Macabéa enquadra-se como exemplo dos invisíveis sociais, os quais, por indiferença ou preconceito, tornaram-se simples mobília da paisagem urbana. Só são notados nos momentos em que causam transtornos - como o atropelamento de Macabéa.

Fruto de um capitalismo pseudo-democrático, a invisibilidade social constitui-se nos mais variados setores da sociedade. Macabéa enquadra-se em praticamente todos eles: não possui dinheiro, nem cultura, nem beleza, nem emprego valorizado. A parcela da população que pertence a alguma das categorias determinantes da condição de mobília urbana é, de maneira inconteste, propositadamente ou não, ignorada pela sociedade. Desse fato, a torna-se um "invisível social", no entanto, há uma mascarada diferença.

Isso porque, há certa hipocrisia velada ao denominá-los seres socialmente invisíveis. É como se quiséssemos dar a entender que eles é que vestem a capa da invisibilidade, quando, na realidade, somos nós quem bloqueamos nossos olhos às Macabéas. Lutam por um simples "bom dia" ou qualquer gesto que lhes dê convicção de que são vistos. Desse modo, Macabéa, passou a vida aprendendo palavras difíceis afim de ser um pouco mais vista e só teve consciência de si mesma à beira da morte, diante da aglomeração de pessoas que se formara a sua volta. Prova de que ela realmente existia.

Assim também foi o caso de Sandro, sequestrador do ônibus 174. Invisível e marginalizado durante toda sua suposta existência, ganhou seus minutos de visibilidade momentos antes de sua morte. A aglomeração de indignados, repórteres e policiais, os flashes e câmeras, deram-lhe a certeza de que estava sendo notado. Foi a sua "hora da estrela". Terá ele "vomitado uma estrela de mil pontas"? "Não faltam estudos e teses de psicólogos que tentam entender o comportamento de Sandro. Procuramos justificativas, como a "correria do dia-a-dia", para nosso injustificável descaso. Ou talvez para nosso justificável medo de enxergar, todo dia, a dispare e cruel realidade que nos cerca.

Propositadamente ou não, continuamos a ignorar Sandros e Macabéas. Algum projeto politicamente correto para tornar visível a mobília social? Não, afinal a questão torna-se extremamente complexa quando envolve as sólidas bases do injusto capitalismo. Por ora, restam-nos atitudes pessoais, como um singelo cumprimento. Lembrando-nos que, Macabéas, Sandros e todos nós convergiremos para o mesmo fim: "a hora da estrela".