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Guilherme Giraldes
Criar São Carlos

Janela

São seis e dez da manhã. Os prédios desbotam o pálido azul que ainda teima em aparecer no céu de São Paulo. E eu, meticulosamente, preparo meu café. Forte e com pouco açúcar, pois preciso acordar. Como qualquer coisa, tomo banho e me visto. A enfadonha rotina, que tenho sorte de ter, me aguarda.

Antes de fechar a porta, não me lembro exatamente porque, olho para trás, através da sala. E vejo, pela minha janela e da janela do prédio vizinho, uma imagem ofuscada, que se movimenta, aliás, paira em sua sala. Paro.

Percebo, pelo modo que senta no terraço e fuma, o quanto ela se assemelha a mim. Noto certa tristeza no modo que olha para baixo, mas, ao mesmo tempo, encontro-me com ela.

Nesse meio tempo, já estou de volta para dentro. Já a observo, a estudo. Seu semblante me lembra a lua, a mesma dos românticos. E nem percebo que ela começa a me observar também.

Trocamos olhares e ela sorri. Um sorriso objetivo, quase imperceptível, mesmo para olhos treinados como os meus. Não posso evitar, sorrio também. Comovo-me facilmente com esse tipo de reciprocidade. Mas eu preciso ir.

Aceno, pego minha bolsa e saio. Já estou atrasada. São quase sete horas.

Ao dirigir para o escritório, começo a pensar. A sobriedade me atinge e penso no que fiz. Trocar olhares com outra mulher. Não foi a troca que me assustou, pelo contrário. Até me confortou. Foi a intensidade que me incomodou. De certo modo, a janela da alma dela me fez achar a porta da minha. Só falta entrar.

Oito horas. Já sentada em minha mesa começo a pensar, a tentar forçar uma epifania. Não consigo. Essas coisas só vêm quando não se está pensando nisso. Algo relacionado com o subconsciente, creio eu.

Começo a olhar fotos. Minha mãe, alva e com cabelos negros. Como sinto falta dela, falta de ouvir seu coração bater. Depois vejo uma foto minha com antigos amigos em uma praia, onde o mar parecia mil diamantes em uma lona azul-escura e o céu um encontro de pontos fumegantes, mas demasiadamente opacos perto da imponente lua. Realmente, foi uma noite memorável.

Concentro-me em certa parte da foto. Vejo o rosto de Sofia. Rosto que nunca esqueci. Olhos azuis escuros que me lembravam o mar naquela noite, pele queimada de sol e cabelo como da minha mãe.

Já são dez horas e não consigo trabalhar corretamente. Sempre paro e olho a foto. Os olhos... que olhos! Transporto-me de volta para aquela noite e vejo aquela face de novo. Não canso e não me entedio. Por que Sofia?

Ela não era minha melhor amiga, mas me comovia com sua vida. Era comum, usual, intrigava-me. Sentia-me diferente perto dela, trepidava nas palavras e nos olhares, e ela percebia. E sempre que percebia, sorria.

É estranho. Sinto-me dela.

O dia também corre estranho. Começo a perceber as pessoas e seus alicerces de conduta. Tudo muito confuso. Sinto que já abri a porta e estou com um pé dentro.

Volto para casa e me ponho a olhar pela janela. Os resquícios do sol me agradam, me dão a idéia de ciclo.Torno a olhar pela janela e ela aparece. Vejo seus movimentos leves e soltos. Mas agora não me escondo mais.

Sento no sofá e penso. O que houve? Milhares de imagens se reforçam em minha cabeça. Mas sempre vejo Sofia. É como se eu precisasse da permissão dela. Meus pensamentos, cobertos por uma bruma espessa, tornam-se claros. Percebo porque estou assim.

Consigo entrar.

Torno a ir à janela e observo. Ela não está lá. E estou ansioso para vê-la. Já crio expectativas e prevejo a queda. Então ela aparece. Ela faz o mesmo. Agora, parece que sua pele brilha e seus olhos me chamam. Os olhos... que olhos!

Vou dormir agradecendo-a por tudo. Durmo bem. Acordo contente, faço meu café. A rotina parece ter se escondido entre um olhar e outro.

Saio de casa e encontro-a no térreo. Surpresa eu digo:

- Já te vi em algum lugar. Mora no apartamento da frente? Do outro lado da rua?

- Isso mesmo. Meu nome é Mariana, e o seu?

- Júlia. Prazer!

- Prazer é meu. Escuta, eu vim aqui querendo te encontrar - Nesse meio tempo, enquanto ela falava pondo o cabelo atrás da orelha, meu coração disparou com tal intensidade que não consegui ouvir por alguns segundos.

- Queria pedir café emprestado. - Falou isso com um tom fabricado e nervoso, beirando o fútil. - Preciso acordar.

- Eu quase esqueci o meu hoje. Que subir e tomar um? - De novo, não consegui ouvir nada. - Gosta dele forte?

- Só se for.

Subi de novo, conversando com ela. Percebi um som alegre em sua voz. E seus olhos... que olhos!