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Micheli Martezi
Criar São Carlos

Pássaro contra a vidraça

Ao pensarmos em qualidade de vida, necessariamente precisamos nos posicionar na linha do tempo. Isso porque ela é produto de uma ideologia secular e resultado do desenvolvimento científico da humanidade. Ser gordo; comer o que tem vontade sem pensar em calorias e amar sem saber que está amando foram tendências de um período que desconhecia esse conceito contemporâneo e perturbador. Hoje, ser gordo pode ser alvo de preconceito, comer o que tem vontade, pode ser fatal e amar deixou de ser verbo intransitivo para se tornar de ligação, sem significado semântico, apenas algo que liga termos. Logo, qualidade de vida se tornou uma contradição no mundo moderno, pois temos tudo aquilo pelo qual ansiamos em nossa vida; mas, muitas vezes, inatingíveis aos nossos pequenos braços.

Com isso, existem três níveis para alcançar essa qualidade de vida "imposta pela sociedade". O primeiro é ter a assistência de um saneamento básico, para poder ter as mínimas condições de higiene e de saúde. Assim, pessoas que ainda vivem em cortiços - ou em condições iguais àquele de Aluísio de Azevedo - nem ao menos apresentam essa base que sustenta os outros dois níveis, um pouco mais elitizados.

Já o segundo nível pode ser caracterizado como uma ditadura. É a ditadura da cozinha, ditadura da beleza, a ditadura da moda, enfim uma ditadura longe de ser democracia. As comidas mais gostosas devem ser substituídas por dietas verdes; o cabelo ondulado deve ser alisado para acompanhar as tendências da moda e o rostinho natural reconfigurado para se parecer com um ídolo. Dessa maneira, nos comportamos como a filosofia de Heidegger do "mundo do man", em que somos fantoches nas mãos invisíveis da sociedade e nos identificamos com a obra Golconda de René Magritti em que não resistimos em plagiar o mundo alheio já plagiado.

Como se não bastasse, existe o terceiro nível de qualidade de vida. Uma qualidade com características metafísicas, mais inalcançáveis do que as outras que a suportam. As pessoas buscam felicidade, amor, paz e se tornam infelizes se não os atingem. E como conseqüência, tornam-se estressadas e alvos de uma depressão psicológica, fabricada nesse mundo moderno e complexo.

Logo, essa qualidade de vida só é perturbada porque desejamos uma utópica. Existem tantos outros objetivos mais palpáveis que completam com mais eficiência as nossas necessidades. Dessa maneira, essa qualidade poderia ser modesta ou até mesmo "egomoldada", ou seja, criada através da nossa personalidade. Assim, se não fizermos isso, seremos um pássaro contra a vidraça. Perderemos forças ao bater nessa barreira transparente que nos deixa tão longe e tão perto da nossa felicidade.