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Felipe Orsi Ceribelli
Criar Ribeirão Preto

Pipas e porcos

"... E os três porquinhos se esconderam do lobo na casa de tijolos construída pelo irmão mais dedicado e viveram felizes para sempre". A fábula citada tornou-se emblemática para descrever a relação entre trabalho e sucesso na sociedade contemporânea; somos incentivados pela mídia a produzir desenfreadamente para desfrutar de maior privilégio econômico. Onde fica o lazer e o ócio fundamentais ai ser humano? Há verdade não ficam; assim como em tempos de Revolução Industrial do século XVIII o relógio com suas 24 horas tem sido mal utilizado entre as três ações teoricamente de igual importância ao progresso: dormir, trabalhar e se divertir, com as 8 horas fundamentais a cada uma delas.

Cinco horas: é o tempo de sono desfrutado por grande parte da população atualmente. Parece pouco quando o foco da discussão é a limitação física de cada individuo, não obstante torna-se abundante ao ser comparado com a quantidade de lazer. Lazer no dicionário apresenta-se como tempo restante da realização de atividades obrigatórias, é clarividente que esse tempo não sobra. A população lutou para libertar-se das "correntes, representadas na brilhante interpretação de Charles Chaplin em tempos modernos", adquiridas pós Revolução Industrial, entretanto foi acorrentada novamente, dessa vez não pela burguesia mas pela própria ambição de ascender economicamente. Atingimos a estágio de sociedade líquida segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na qual as relações produtoras ganham mais importância que as afetivas em tempo ocioso; os laços humanos são desfeitos, como Coca-Cola esvaindo-se pelo ralo: geração transitória, geração Coca-Cola.

Uma hora para lazer? Negativo. O lazer inexistente, visto que o mínimo tempo reservado para essa atividade tem sido marcado pelo bombardeio de publicidade apelativa, veiculada com o intuito de incentivar o cidadão a produzir mais para consumir. A sociedade contemporânea luta veementemente por lucro e consumo já que comprar para "parecer ser" tornou-se mais relevante que realmente "ser". As cores com que o individuo "se pinta" ao público são bem distintas das quais pintávamos as pipas antigamente, essas eram a melhor representação do tempo livre bem utilizado: há quanto tempo não vejo a simplicidade e beleza do erguimento de uma. As pipas não sobem mais, o ser humano não progride mais, encontra-se alienado e desprovido do conhecimento de que "com um pingo de mel conquista-se mais abelhas que com um galão de fel "(Abraham Lincoln); basta saber utilizá-lo de modo coerente.

Dezoito horas de trabalho; mais que o dobro da carga horária estabelecida pela legislação, a questão é um mero reflexo da inconsciência humana ao classificar o tempo ocioso como a oficina do diabo. No que tange às relações entre trabalho e poder, os três porquinhos não são os únicos representativos na literatura mundial: o porco Napoleão, juntamente com seus auxiliares, em a Revolução dos bichos de George Orwell, funcionou analogicamente à imposição do estado e dos grandes meios midiáticos da atualidade. Conclui-se que Thomas Hobbes precipitou-se ligeiramente ao enunciar que o homem é lobo do próprio homem, na realidade o poder do ser humano é o grande predador do mesmo.

A busca do poder econômico aderida à influência exercida pela veiculação da propaganda remete ao entendimento de que o único lugar onde o lazer aparece antes do trabalho é no dicionário. Não obstante, o mesmo acontece com o sucesso e dessa forma o ócio passou a inexistir na personalidade humana. As pipas continuarão não sendo erguida e o dia por incrível que pareça, permanece possuindo 24 horas; enquanto isso vamos produzindo porquinhos, sete bilhões de porquinhos inseridos no contexto de que o sucesso é conquistado apenas pelo trabalho incessante e que o lazer tornou-se desprezível ao progresso: ilusão.