Um casal de moradores de rua de São Paulo encontra uma mala recheada de dinheiro no chão e, imbuídos de boa fé, devolvem-na ao proprietário sem receber recompensa alguma. São alçados ao estrelato instantaneamente, fazendo aparições em diversos meios de comunicação. O destaque dado à conduta atípica da dupla suscita questões: quais são as causas da ausência de ética no Brasil? Ser ético é um ato heroico na atualidade?

No Brasil, a sensação de impunidade, sustentada principalmente pela liberdade de fazer maracutaia concedida aos políticos, é uma das responsáveis pela ética pantanosa. Se nem os homens públicos brasileiros, os quais deveriam ostentar uma reputação ilibada - principalmente após a normalização da lei da ficha limpa - agem em conformidade com os princípios éticos, por que caberia ao cidadão comum realizar tamanha proeza? Soma-se à inexistência de modelos a de senso de comunidade. Ao entrincheirar-se em condomínios fechados, o homem contemporâneo isola-se de seus semelhantes e de comparações com eles, o que inibe a semeadura de princípios. Estes passam a ser comprados.

Atualmente, com o modo de produção capitalista em seu ápice, acumular princípios tornou-se sinônimo de ter o bolso cheio. A efemeridade dos quinze minutos de fama dos moradores de rua é prontamente substituída por notícias concernentes aos magnatas do mundo empresarial, os reais heróis contemporâneos. O ínfimo tempo reservado para divulgar exemplos de comportamento ético é simplesmente uma forma de a mídia mascarar a ausência de valores no século XXI, os quais são suplantados pelo interesse pecuniário. A sociedade contemporânea avalia as pessoas como fazia Karl Marx em relação aos fatos sociais, a partir do aspecto econômico, quando deveria realizá-lo tal qual Max Weber, investigando todos os prismas, do físico ao psicológico, do cultural ao ideológico.

Em suma, o dilema da escassez de ética em campos canarinhos advém da falta de punição, de modelos e de integração entre os indivíduos. Os verdadeiros heróis não são os que mantêm os princípios como pedra angular, mas sim os com vários dígitos no saldo bancário. Portanto, paradoxalmente, o casal de moradores de rua seria muito mais ovacionado se tivesse investido o dinheiro encontrado e multiplicado-o, em vez de tê-lo devolvido aos proprietários.