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Luiz Paulo Correia e Silva
Criar Araraquara

"Uma visita"

"Estou com a cama arrumada, prestes a dormir. Da janela, uma voz me acomete e vou verificá-la, não reconhecendo o vulto que sinaliza sob a penumbra. Atônito, penso imóvel. Uma mistura de medo e desconfiança concretiza a inação" (Uma visita - Paulo H. Britto). De janelas sociais, vozes cotidianas avivam nosso medo "desconfiante": esquinas, pessoas e fatos são iscas para surpresas insólitas. "Arriscamos ou não?" De fato, o medo habita um frágil mercado de sentimentos.

Das janelas coloniais de suas casas grandes, os senhores viam seus cativos no engenho. Mas ainda, viam a si mesmos, como se olhassem um espelho: eram também escravos, porém do medo, já que a violência era a forma de mitigar quilombos e sublevações. Hoje, as casas grandes são mais modernas, transformaram-se em condomínios de muros labirínticos. Seu senso de proteção confunde-se com o estar numa prisão; de suas janelas, vemos os "quilombolas" em suas favelas. E nas ruas circundantes, maltrapilhos transmutam os semáforos a McDonald´s das esmolas, que contabilizam o pavor dos carros blindados. Nesse enredo, o medo é uma necessidade de consumo - desde a colônia, abastece uma economia de blindagens, além de confundir liberdade e escravidão.

Todavia, as blindagens mostram-se inócuas perante a liberdade demente: como explicar chacinas em cinemas? Se recorremos às telas como forma de fugir da realidade, eis que a fantasia se concretiza e nos metralha. Estamos entre uma cultura cinematográfica de sangue mecanizado, comerciais de margarina e "Avenidas-Brasil". Nesse ínterim, nosso cérebro é programado para que o terror dure o tempo da propaganda ou da novela, em seguida tudo é desdenhado mediante o consumismo. Mas se eclodem novos morticínios, o pícaro marketing desperta a irracionalidade: prostituímos nossa autonomia a leis e câmeras draconianas, além de aquecer multinacionais belicosas. Em suma, estimula-se a felicidade irrestrita sob a sincronia paradoxal do medo, provendo mutações sociais.

Uma delas fora produto do 11 de setembro (2001). Ao pregar um contrato social ao avesso, Bush exaltava a islamofobia e um estado de "guerra de todos contra todos" (Hobbes). Se o instinto natural humano emprega o medo para retirar o homem de uma situação, uma inversão nos coloca numa pior: lobos contra lobos-bombas. E fatos como esse insuflam recessões e desviam recursos. Logo, passamos a temer o desemprego, a exclusão, a miséria. Entre fanatismos contraproducentes, vozes manipuladoras do Estado assolam nossas janelas de incertezas, deixando-nos passivos, mas desconfiados. Enfim, a desconstrução do instinto natural do medo, converte-o em inércia e guerras de tolos contra tolos.

Sob a iminência de recebermos a visita de vozes sociais da desigualdade, da psicopatia e do fanatismo, necessitamos do medo, que historicamente possui função social. Em cada contexto, ele é a necessidade de consumo (confundindo liberdade e escravidão), o paradoxo da felicidade e a desconstrução de um instinto. Sob as penumbras da proteção e do controle, o temor continuará como a premissa para surpresas insólitas aos nossos frágeis sentimentos.