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Ana Claudia Pedrosa Massaro
Criar Ribeirão Preto

sem título

Era mais um daqueles feriados no começo do inverno. A pilha de trabalho me esperava, mas meu corpo implorava descanso. Devido à insistência do telefone e, por vezes, a da campainha, decidi viajar para o único lugar onde ninguém poderia me encontrar: São Bernardo. A fazenda do meu avô, que hoje pertencia a mim, era um esconderijo para onde raramente me dirigia. Meu pai a herdara pois meu avô não tinha a quem deixar: a relação dos dois nunca foi boa. Como minha avó morreu cedo, o filho foi criado por uma tia dela: Tia Glória.

Ia pouco à fazenda pois papai não se sentia bem lá. Não pelas lembranças da infância, pois essas quase não as tinha. Mas tudo lá lembrava seu pai e ele não suportava. A razão nunca me contou. Como sossego era tudo o que procurava, parti. A visão da casa coberta pela chuva era a mesma da meninice, o que me lembrou a fala de papai: "É mamãe que chora, do céu". Entrei. O velho tique-taque do relógio se misturava ao barulho dos grilos e das gotas batendo na grama.

Numa atitude quase adolescente, corri ao quarto de meu avô. O cômodo sempre estivera trancado e todos me proibiam de entrar. Deitei na cama, revirei os armários, acendi o lampião sobre o criado-mudo. A portinha desse estava entreaberta, e revelava uma forma que não reconheci. Abri e reconheci uma pequena caixa, rústica, provavelmente feita aqui mesmo. Nela estavam várias cartas amarradas por um barbante. Todas escritas: "Para Madalena. De: Paulo Honório".

Vovô escrevia para vovó, nada mais normal. Comecei a ler: "Ah! Madalena! Se soubesse a falta que me faz... Desde que me deixou meus dias têm sido de um tristeza imensurável. Já não tenho ninguém: seu Ribeiro e Padilha se foram, D. Glória partiu levando o menino. Os amigos já não freqüentam mais a casa; meu partido caiu, os fregueses quebraram. São Bernardo está em decadência. Eu sei que posso reerguê-la, mas para quê? Agora eu penso que, se pudesse voltar, eu faria tudo diferente. Por que me enganar? Faria exatamente igual, e acabaríamos como estamos: mortos. Eu mais do que você".

As outras cartas tinham o mesmo tom melancólico e saudosista. Meu avô se culpava sempre pelo acontecido, mas o que aconteceu? A resposta, só tive na última correspondência, diferente das demais: era de minha avó. Ela contava a Paulo os motivos da partida, pedia perdão e finalizava: "o que acabou com tudo foi esse ciúme". Pensei, inconformada, que eram ambos egoístas: abandonaram meu pai por tolas discussões conjugais. Apesar da chuva, saí a procura de Seu Casimiro, caseiro da fazenda há muitos anos. Seu pai tinha sido o primeiro empregado de vovô.

Perguntei a ele sobre a história de meus avós. O homem, no início, hesitou, mas depois me contou o que tinha ouvido quando criança. Madalena tinha uma vida de humilhações e restrições. Ao ver-se sem saída, optou pelo suicídio, o qual foi cometido no quarto em que, minutos antes, eu me encontrava. Minha avó não poderia prever que, ao tomar o caminho da morte, levaria com ela todos que a cercavam: Paulo, tia Glória, o filho e até mesmo a fazenda. Talvez seja por isso que hoje vovó chora, derramando sobre São Bernardo gotas glaciais de tristeza.

Fui ao passeio com dúvidas, voltei com respostas. Cheguei apática, parti melancólica. Entrei sem consciência de mim e desse lado da minha família, sai julgando tudo o que ouvi. Ao voltar para casa, me entreguei completamente ao trabalho, sem notar, no momento, que a parte Honório existente em mim controlava minha vida. Hoje, procuro, sem encontrar, a Madalena, que também deveria me guiar. Só espero que ela não tenha tido o mesmo fim da minha avó.