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Luís Fernando Matos Bastianini
Criar Ribeirão Preto

A cegueira social, o encontro e suas transformações

Até os treze anos de idade eu era um adolescente comum apesar do excesso de acnes no rosto. Freqüentava às aulas na escola, porém, não participava de grandes eventos estudantis muito agitados. Aos quatorze anos, quando escolhera minha profissão, preteri festas, boates na agitada noite de Salvador. Lembro-me em rigores de detalhes como se fosse hoje, fiz medicina na Católica dessa mesma cidade em que assisto e especialização em psiquiatria.

Num final de tarde em uma sexta-feira sai do meu consultório extremamente cansado, aquele dia fora agitado, pois passei boa parte do meu tempo em visitas ao Hospital Psiquiátrico Regional. A minha sorte é que sempre desviara do centro da cidade ao passar por três ruas das quais chegam mais rápido onde moro sem que ter de enfrentar aquele transito caótico. Extressado, encalorado, pois faziam 38 graus naquela hora, estava faminto e tinha que terminar uma pesquisa de minha autoria cujo tema era A Loucura na mente sã.

Certamente aquele não era o meu dia, envolto em todas essas situações e ainda para piorá-la discuti com minha esposa por motivos dos quais não vem ao caso. A nossa discussão durou cerca de meia hora ainda mais irritado troquei apenas de roupa e como estava com muita fome comi apenas três bolachas as quais enfeitavam uma mesa de mármore e presenciavam essa discussão. Naquele dia deixei-a falando sozinha, apesar de consciente do que deveria fazer naquela noite e saí sem nenhum pudor a pé pelas ruas.

Eram cerca de oito e meia da noite, quebrei todo aquele jejum de desviar das agitadas ruas de Salvador das quais mal reconhecia pois, fizera tempo que não passara por lá. Como estava sozinho e nada teria a perder passei por uma das ruas mais conturbadas e ao olhar para os lados quase me ofusquei com o outdoor de um candidato a prefeito, logo, era época de eleição. Realmente sem um destino no pré-determinado entrei numa alameda a qual quase não se via seu fim. Cabisbaixo, com passos lentos e fugitivos da minha realidade sinto várias sombras refletindo no asfalto e com passos apressados. Foi quando uma voz rouca havia pronunciado meu nome, Ricardo, ou agora Doutor Ricardo, apesar de distante reconheci aquela voz a me chamar e quando voltei meu rosto era Gonçalo, um amigo de infância logo ali na minha frente.

No entanto, sua fisionomia e seu modo de pensar e viver tivera mudado, porque nuca andava em grupos, era sempre elegante e agora vivera de qualquer maneira. Cabeças raspadas com grandes tatuagens envoltas pelo corpo descreviam suas características. Gonçalo perdera o pai muito cedo e órfão de mãe também entra para o mundo das drogas e torna-se líder de uma gangue de traficantes chamada Tanderhets.

Assustado com o que via e totalmente diferente de minha realidade saí junto deles em busca do que não perdi. Convidado fui com eles, entramos na principal avenida à Antonio Carlos Magalhães. provavelmente aquela resumia um mundo o qual estava distante das quatro paredes de meu consultório. Pessoas a pedir esmolas sentadas na calçada, crianças nos semáforos que tentavam vender brinquedinhos ou pedir ajudas, quando não faziam companhias com várias garotas de programas e travestis.

Para que pudesse ir com os Tanderhets tive de colocar roupas iguais a eles. O que mais me chocou foram às negociações que Gonçalo e seu bando faziam com aquelas garotas, travestis e até policiais pela compra de cocaína. Infelizmente, esses defensores fardados ao invés de combaterem esse tráfico eram coadjuvantes.

Buzinas, prostituição, miséria, assassinatos explícitos foram o que constituíram aquela noite fora de casa. Porém, aquele antigo amigo fez com que eu pudesse sentir na pele a situação desesperadora de muitos. Hoje, já com setenta anos aposentei e vivo uma vida já não clausulada graças a essa experiência, e nunca mais briguei com minha esposa da qual reclamava por ausência minha como seu marido.