Vanuatu, 30 de Janeiro de 2008.
Amigo Manduca,
Hoje pela manhã tive uma crise nostálgica, crise essa que me impulsionou a lhe escrever esta carta. Confesso que voltar a escrever, após tantos anos longe do mundo literal, reavivou em mim o jornalista que eu fora e você conhecera. O outro, este que agora lhe escreve, é o que lhe apresento.
30 de Janeiro de 2004. Recorda-se dessa data? Nesse dia vi pela última vez a paisagem brasileira. Não me comovi. Como bem sabe, minha volta estava marcada para algumas semanas. Fotos tiradas, reportagem encerrada, deixaria Vanuatu e regressaria ao Brasil. Em inúmeros trabalhos, em diferentes países, isso fizera. Isso novamente eu faria.
Mas, então, para surpresa de todos vocês, e principalmente minha, não voltei. Por vezes ria, outras me indignava devido aos argumentos que, em vão, vocês usavam para me convencer a voltar. O dinheiro, a estabilidade profissional, todo o aparato civilizatório? Não, não foram para mim amarras. A areia, os peixes deliciosos vindos de águas muito claras, encantaram-me como em nenhum outro lugar me encantei. Toda essa idealização romântica me faz lembrar Aristóteles, que dizia ser a felicidade algo tranqüilo e sem exageros.
Obviamente, e mesmo para confirmar o citado Aristóteles, há também em Vanuatu alguns pontos negativos: os vinhos que gosto de apreciar e que por aqui talvez jamais sejam vendidos. Os espetáculos teatrais, cinemas e requintados restaurantes que são para a população do arquipélago inimagináveis. Este lugar não é exageradamente perfeito, e passei a agradecer por isso. Mergulhado em literatura de auto-ajuda, não conseguia compreender a incompletude das coisas. Com os moradores pés-descalços da ilha, aprendi que ser feliz não é ser completo, mas buscar e escolher aquilo que cada um acha imprescindível. Eles me ensinaram, por isso então Vanuatu foi minha escolha.
É Manduca, "enlouquecido está esse meu amigo", deve estar pensando. Você, tão afeiçoado às tecnologias urbanas, tão Jacíntico, lembra-se? A alcunha que lhe dávamos por sua semelhança com o personagem de Eça? Não serei, contudo, amigo, um Zé Fernandes a convencer-lhe das maravilhas do campo. Sei que na cidade você é feliz e não o considero leproso por isso. Quero apenas que perceba, afinal, o quão bem estou. Anseio a visita de todos vocês. Quando vier, traga uma garrafa do melhor vinho. Sinto falta daquele sabor, mas não sou menos feliz por isso.
Do saudoso
Ventura.