MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Daniella Rantin
Criar São Carlos

Sem título

Vermelho. O sinal fechou. Vermelho. Sophie brecou o carro, a contragosto. Instintivamente, passou a mão direita sobre as sacolas no banco do passageiro, como uma mãe a proteger a cria.

Vermelho. O sinal fechou. O garoto levantou-se da calçada a contragosto. Pegou sua caixa de doces. Observou os carros. Correu.

Sophie remexeu-se no banco. Observou através do vidro filmado o rosto do ser que a abordava. Seus lábios contraíram-se, com asco. Olhou para frente. Talvez ele desaparecesse se ela o ignorasse. Talvez.

O garoto observou seu próprio reflexo no vidro de um carro caro. Suspirou. Suas mãos tremiam, cansadas. Limpou o suor que escorria do rosto. O sol ia alto. Quente.

Sophie aumentou o ar condicionado do carro, recebendo uma lufada de ar frio no rosto. Olhou para o sinal vermelho. Tamborilou impacientemente na direção do carro. Observou alguns outros seres perambulando por ali, com caixas de doces e outras coisas. Acariciou a sacola mais próxima. Olhou para sua janela. Chocou-se ao perceber que um dos seres ainda estava parado, olhando em sua direção.

O reflexo devolvia-lhe o olhar perplexo. Por um instante, o garoto pareceu não se reconhecer. Piscou os olhos. A imagem continuava ali. Olhou-se continuamente. Não parecia enxergar-se. Apenas olhava, biologicamente. Apenas olhava. Olhos vazios, quase sem vida.

Olhares. Momentaneamente os olhares encontraram-se, sem que seus emissores se dessem conta. Um encontro mudo de olhares cegos. Sophie tateou o banco ao lado, como uma criança à procura da mão da mãe. Acariciou, novamente, a sacola mais próxima. O ser continuava ali, parado. O reflexo continuava a devolver-lhe o olhar intrigado. Ele não parecia entender-se. Não. Não parecia conhecer aquele que o encarava de volta. Reflexo desconhecido. Reflexo? Retrato.

Alma? Sophie observava o intruso. Apenas observava, agarrada ainda a uma de suas sacolas. Havia dúvida em seu olhar. Alma? Olhar de bicho. Alma? Havia alguma ali?

Quatro olhos, presos ao mesmo ponto. Quatro olhos, nenhuma vidraça. Quatro olhos de parede branca. Quatro olhos de mata nativa, sem exploradores. Quatro olhos, duas almas. Almas de bicho. Olhos de glaucoma. Glaucoma branco. Diamantes sem lapidação. Vidro sujo, opaco. Cristalino sem sentido. Vidro filmado.

Verde. O sinal abriu. Verde. Os olhos despregaram-se. As almas, pseudo almas, volveram à escuridão segura da mata cerrada. Sophie acelerou o carro, deixando o intruso para trás. O garoto ficou ainda por alguns segundos a encarar o local onde antes havia seu reflexo. Ambos pareceram, por breves preciosos segundos, atônitos, incompreendidos de si mesmos, desconhecidos de seus próprios eus. Sophie agarrou com força uma de suas sacolas. O garoto chacoalhou a cabeça, concentrando-se em vender balas. O breve brilho de dúvida, fugaz e frenético, desapareceu de suas feições. Olhos brancos. Cegos. Biologicamente perfeitos. Inúteis. Incapazes.