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Viviane Martoni
Criar Ribeirão Preto

A casinha

Toda criança tem seu esconderijo secreto. Eu também tive o meu. A velha casa colonial, de arquitetura simplória, onde houvera sido a maioria dos italianos da fazenda que fora de meu avô, passara a ser meu local preferido.

A casinha tinha aparência grotesca; o telhado, de madeira, já havia sido quase que totalmente, abolido por cupins. Um cheiro rançoso pairava no ar. Mas era lá que me sentia segura quando papai se zangava comigo por causa de alguma traquinagem, ou quando me sentia triste pela falta das mãos delicadas e confortáveis de mamãe.

Também era naquela casinha que levava Chiquinha para brincar. A bonequinha de pano feita por vovó fora minha única amizade nos tempos da fazenda. Saudades desse tempo...

Quando completei quinze anos, papai casou-se novamente. Olga era uma mulher atraente, seus vestidos eram sempre decotados, de cores vibrantes e sensuais. Mas, seu olhar oblíquo fazia-me temê-lá; suas discussões com papai, sempre submisso, faziam-me fugir. E era para a casinha que sempre ia.

Hoje, não há mais casinha para me esconder. Porém não há mais motivos para traquinagens, Olga faleceu, Chiquinha está enterrada num armário e as saudades de mamãe já foram superadas pelo conforto que o tempo sempre traz.

Entretanto, no âmbito das analogias, sinto que o destino, aliado ao determinismo que vigora até hoje, fez mais uma de suas ironias.

Aos vinte anos, fui-me embora da fazenda. Fugi por liberdade, fugi para não ser envenenada por Olga. Na cidade, empreguei-me como jornalista. Naquela época não havia mulheres jornalistas. Mas por me dar bem com as letras ou por compaixão do dono do jornal, passei a escrever quinzenalmente.

Porém, era essencial que tivesse um pseudônimo. Ele garantia sucesso na sociedade paternalista da época, além de camuflar-me.

Ora, onde então havia me reencontrado? O falso nome era, antes de mais nada, meu esconderijo de papai, minha fuga contra aqueles olhos oblíquos , minha Chiquinha. O falso nome foi minha casinha na idade adulta e ainda sinto aquele mesmo cheiro rançoso quando lembro-me dos tempos de jornalista.