MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Daniella Rantin
Criar São Carlos

Sem título

V= ?f sim, V = ?f Ela olhou para o quadro, descontente. V = ?f. Ora, ampulheta de areia no deserto. V = ?f. Óculos sem lentes, apoiados em um nariz sulcado pelo peso da armação. V = ?f. Lembrancinhas horrendas de um casamento longínquo, apoiadas em um livro odiado sobre uma estante esquecida. V = ?f. Montes de inutilidades, sem quartinho da bagunça para entulhá-las.

Bufou, massageando as têmporas. V = ?f. Era simples, mas não se encaixava. Fechou os olhos. A testa sentiu a dureza da madeira de sua carteira escolar e seus ouvidos zuniam com o falar obsceno de todos os outros. Bufou novamente, sentindo seu hálito quente encher-lhe as narinas.

Podia, de repente, cruzar a janela. Cruzava-a como se nada fosse, ou como se nada fosse ela. Cruzava-a, ultrapassava-a, deixava-a. Janelas sem grades ou vidros. Janelas com janelas. Espectros de janela.

O mar respirava na sua frente. Ora, que clichê!, resmungou seu eu v = ?f, mas ela não se importava. Olhava o mar e via-o. Sentia seu hálito salgado. Queria sê-lo. E o era. Era agora o mar. O mar que tudo abarca, mas que nada carrega. O mar que a tudo vai, mas que em nada pára. O mar crespo, cheio de ondas imensuráveis, apenas ondas, ondeando, livres, eternamente livres, sem saberem-se ondas cuja velocidade se obtém de uma fórmula. Era mar, era ondas, era tudo e nada. Era um mundo.

Um mundo em que ?f são apenas letras, postas de mãos dadas para cirandear como criança, nunca como uma fórmula tosca, grilhões da criatividade. Um mundo de sensações, todas elas, muitas. Um mundo de doces e salgados. Um mar de todos os peixes apenas peixes. Mar fluido que nada pode conter.

E de repente era a brisa. E todos podiam sê-la. E corria livre, tocava as dunas, fazendo-as dançar. Dançava com as estrelas, apenas brilho, sem se saberem estrelas vivas, mortas ou por nascer. Brilhava. Seguia. Janelas de janelas, grades de vento, portas de nuvens.

Era um mundo. Um mundo de caeiros feitos só de bocas, olhos, narizes e mãos. Caeiros livres de pensamentos e fórmulas. Simplesmente caeiros a sentir. Simplesmente caeiros a não se importar. E todos podiam sê-lo.

Era um mundo de cegos. Cegos que vêem, como aqueles de Saramago. Cegos que não se detêm em cortinas amareladas ou floridas. Cegos que atravessam as janelas das janelas. Cegos com olhos de pintores cubistas.

Ora, quanta utopia!, sussurrou-lhe seu eu v = ?f novamente, mas ela afastava-o. Desprendia-se para longe. Era livre. Era outra, que não ela. Era apenas ar, sem bagagem. Era mais uma. Era poeira. Não era a melhor aluna. Não era a filha perfeita. Não era aquela sobre a qual depositavam-se tantas pseudoesperanças. Era a filha de uma mãe viva. Uma mãe tocável, audível, visível. Uma mãe que com ela sentava-se ao piano e de cujas mãos desprendia-se cheiro de cândida.

Era um mundo. Particular. Mínimo. Enorme. Expansível. Pasárgada. De reis, mendigos, poetas a tossir. De todos. De um uníssono.

Era alma. Livre. Sentidos. Pássaros a voar, sem sabê-lo. Felicidade sem reconhecimento. Espírito sem quartinho da bagunça. Fantasma sem entulho. Sacolinha plástica ao vento.

Era o que não era. Era o mar. Só água salgada. Era o mar a bufar com força. Era hálito quente a encher-lhe as narinas.

- Até tu, Brutus? - Alguém disse, roçando-lhe os cabelos com dedos longos e delicados. Ergueu a cabeça, de sopetão, olhando envergonhada para a professora, que sorria, compreensiva.

V = ?f. Sim, v = ?f. Assim era. Assim haveria de ser.