MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Leonardo Ferreira Prado
Criar Uberaba

A Escafandrista

Mais uma terça-feira rotineira adentrava lá para as três da tarde, quando o ócio em que estava imersa se desfez dado ao encontro com tal caixinha de bambu. Artefato para colecionador, aquele oriental, onde estavam os papéis desgastados pela ação do tempo assim como o resto de quem os escrevera.

Com meus dezoito anos e a iminência da grande prova, deveria estar estudando, mas aquelas cartas recém-descobertas no armário de mamãe me atraiam pelo fato de datarem de 1940. Sim, o ano em que vovô desembarcara em terras brasileiras vindo do Japão. Minha curiosidade foi aguçada ainda mais quando me dei conta de que aquelas cartas eram endereçadas aos parentes de vovô ainda residentes no oriente.

Depois de certo tempo de leitura e já cansada da posição desajeitada em que estava, resolvi deitar para que a interpretação do japonês escrito fosse devidamente terminada. Enquanto lia sobre a viagem e as expectativas de um jovem imigrante, identificava ali características muito minhas que se relacionavam com a obstinação (talvez genética) com que eu enxergava meu futuro. Análoga àquele japonês dos anos 40, via-me cheia de expectativas que fomentavam a construção de toda uma vida.

Cinco da tarde, mamãe já ia chegar e me encontrar ali espalhada sobre a cama, lendo cartas amareladas. Finalmente aquelas aulas de japonês serviram para algo mais que um mero resgate cultural. Estava resgatando ali as memórias de vovô, que traziam consigo gosto de esperança a cada linha. O homem que conheço, do alto de sua austeridade senil, não escreveria tais palavras oníricas se não estivesse com a mente livre de quem está prestes a conhecer o novo.

Ao fim, sentia-me como os escafandristas da música de Chico Buarque. Explorei um quarto sim, e ao invés de um amor deixado há milênios, encontrei alento deixado há só seis décadas.