MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Bruna Lupoli
Criar Ribeirão Preto

Reação de esperança

Uma reação em cadeia a algum tipo de infecção domina toda uma cidade. É vista a bizarra cena da luta pela sobrevivência. O que antes era um supermercado, agora é campo de batalha por alimento; o que antes era ordem "democrática", agora significa poder nas mãos dos que detêm um pouco mais que nada; o que antes era banal, agora é de imensurável importância. A cegueira invade as pessoas no filma de Fernando Meirelles baseado na obra de Saramago - "Ensaio sobre a Cegueira"; e, com ela, o homem retorna à sua primitiva essência, ao mundo cão, à realidade camuflada por máscaras sociais pegadas à cara.

"Os olhos das pessoas são o único lugar do corpo onde talvez ainda exista alma, e eles se perderam". O trecho de Saramago não soa tão poeticamente fictício quando notamos o descaso de uma moeda a um faminto, de um simples e distante olhar aos conflitos, do ignorar das injustiças. Perdemos a sensibilidade do olhar, perdemos o amor por nossa Stalingrado; não resistimos mais, entregamos ao destino os combatentes da guerra cotidiana. Recordes em taxas de analfabetismo, doenças, subnutrição e violência são o atestado de que a cegueira é endêmica no sistema vigente.

Na era "just in time", diferenças são aniquiladas, identidades são roubadas, transformamo-nos em números. Carecemos de visão política, social, crítica. "Cobramos" dos governantes atitudes que não tomamos. Pelo fato de estarmos no processo de "desdiferenciação" da humanidade, conformamo-nos com o que vemos. Somos "cegos que, vendo, não vêem" a realidade longe do baile de máscaras mundial: a especulação por trás da falta de moradia, os testes de remédios em povos subdesenvolvidos, a repressão em falsas democracias globalizadas. O que é a morte de um leiteiro perto das maravilhas de um admirável mundo novo?

"Ocultar-se o ponto cego" do sistema para se sair ileso da repressão velada desse admirado mundo pode ser a solução. Mas, dessa forma, o caos causado pela cegueira humana e a morte do leiteiro terão sido em vão. Após o fim dessa terceira guerra mundial, disputada, às cegas, a garras e a coices de combatentes animalizados, talvez haja esperança que a visão volte com a consciência de que somos seres humanos, iguais, e de que o respeito mútuo tem mais valor que olhos seletivos, ávidos pelo sucesso a qualquer custo, viciados numa verdade programada.

Durante o processo de perda de visão crítica, permitimos que os maiores acontecimentos de resistência ao sistema aliado do "Big Brother" fossem massacrados e calados de maneira feroz - Primavera de Praga, socialismo, jovens revolucionários, sonhos de uma real democracia. "Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira?" Quantos de nós permitirão que inocentes definhem na mesmice cotidiana enquanto lutam pela exposição e justiça da realidade? Talvez haja, na vida real, alguém resistente à cegueira, que guie os contaminados, ávidos por enxergar a verdade, até o momento em que a sabedoria substitua a visão superficial, e o mundo tornar-se mais humano. Talvez essa resistência esteja inoculada dentro de cada um de nós. Esperamos que esteja.