Michael nasceu no morro, viveu no morro. Em uma noite quente de verão e de balas traçantes, Maria Tereza deu à luz, em um barraco de dois cômodos, ao herói de nossa história. Nesta mesma noite, morrera em um conflito com policiais, em situação não esclarecida, Nego Zé, pai do nosso protagonista.

Cercado pela miséria, Michael crescera sem pai, sem educação e, principalmente, sem esperança. Nunca saíra do morro, até então conhecia o mundo através da televisão comprada por sua mãe em prestações eternizadas. Desesperançado, não tinha nada para se orgulhar, a não ser o nome. Pois assim como qualquer outro garoto de periferia, era a única coisa que acreditara ter de importante. Michael...! Um nome importante, igual ao dos produtos que via na televisão.

Talvez esta nossa história não seja simplesmente sobre Michael, pois nosso protagonista pode ser substituído por algum outro Welinton, David ou Jonh qualquer. Certamente, esta é a história de uma massa de Michaels. Mas antes que você, leitor, angustie-se de curiosidade, voltemos a narrar a tão previsível história de nosso herói.

Michael crescera, ainda mais, escutando os conselhos de sua mãe, para que sempre se mantivesse no bom caminho. Sem muito compreender o que sua mãe dizia, sem saber direito para que realmente bom seria este tal de bom caminho. Mas obedecia. Via seus amigos ingressarem no movimento, convivia com toda aquela violência do morro, presenciava todas aquelas mortes diárias, assim como presenciava todos os dias o nascer do sol. Eis que chegara aquela findada noite, negra e quente como a de seu nascimento. Noite escura que lhe ensinara a amar mais o seu dia. Era o seu renascimento.

Ao chegar no barraco presenciara uma cena que mudara sua vida. Viu sua mãe ser estuprada por Carlos Augusto, traficante e chefe do movimento. Num súbito de angústia e medo, cravou uma faca nas costas de Carlos Augusto e sangrou-o como se sangra um porco. Era como se purificasse com aquele sangue. O sangue era o batismo que marcara seu renascimento.

Resolvera pegar em armas. Ingressar no movimento. Na manhã seguinte, resolveu descer o morro, enfrentar a sociedade, e buscar pelas coisas que só conhecia pela televisão. Nesta mesma manhã Michael morreu em conflito com policiais em situação não esclarecida. Nunca mais se ouviu falar sobre ele.