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Guilherme Emmanuel Martins Sanches
Criar São Carlos

Olhos que falam

Ah! Estas varas de pesca me trazem nostalgia... que saudades do meu filho! Na última vez que pescamos ele me disse que não teria medo. Se eu não tivesse essa mania de contar histórias. Quando ele era pequeno, vejo correndo até mim, chorando, e disse: "quebrei o vaso da mamãe, tô com medo". Então eu contei uma história que me ocorrera quando eu ainda era advogado da rodoviária.

"Calma filho... senta aqui e ouça minha história. Aconteceu quando eu trabalhava no rodoviária, apareceram dois jovens, com caras assustadas, no meio da bagunça e agitação, eu fui até eles e perguntei o que faziam ali sozinhos. Um par de olhos arregalados me disse que eram irmãos, tinham perdido os pais e não conseguiam mais ficar na cidade deles, com a memória de uma vida perdida. Eu resolvi ajudá-los."

"Pai como os olhos falaram?"

"Eles não falaram, quem falou foi a jovem. Mas me deixa continuar. Arrumei um emprego para eles, lá mesmo na rodoviária. Mais tarde, depois de eu ter conseguido um lugar para eles passarem a noite, eu voltei lá. Encontrei os dois chorando, dei-lhe a boa notícia; e eles, chorando mais ainda, me contaram a verdadeira história."

Eram namorados, quando souberam que teriam de se separar, largaram tudo e foram para Belo Horizonte. Talvez filho, você esteja pensando que eles tiveram coragem em ir sozinhos para lá; mas, na verdade, eles fugiram por medo da separação. Em Belo Horizonte, encontraram um homem do juizado de menores que ameaçou prendê-los. Mais uma vez tiveram medo e fugiram. Foram para São Paulo, onde me encontraram e, tendo medo de novo, mentiram. Mais tarde ao se verem sem ter para onde ir, tiveram medo pela quarta vez. Mas, nesse momento, eles mudaram, decidiram que não mais temeriam, voltariam para casa e enfrentariam seu problema. Com um olhar de águia eles tomaram o ônibus de volta. Dois dias depois me ligaram dizendo que tudo estava resolvido.

Viu meu filho? Você não deve ter medo, enfrente esse problema, vá lá falar com sua mãe."

"Tá bom pai, eu vou!"

Não sei o que aquele pequenino fez, mas sei que ele conseguiu se livrar do castigo da mãe. Isso deve ter se gravado na mente dele. Pois muitos anos se passaram até aquele dia da pesca, e mesmo assim ele se lembrava...

"Pai, se lembra do casal da rodoviária que pediu, mais tarde, pra você ser testemunha no casamento deles?"

"Sim, me lembro. Por quê?"

"Por quê?... Porque eu não terei medo."

Meu filho tornara-se um líder revolucionário, lutara bravamente e fizera a diferença, e eu sabia que haveria um grande confronto no dia seguinte.

"Filho...eu..."

"Não precisa falar nada pai, seus olhos dizem tudo".

No dia seguinte ele morreu, morreu fazendo a diferença, morreu como herói, mas morreu. Ele foi bravo e destemido, teve coragem de se arriscar. Ah! Que saudades! Contar aquela história a ele foi um erro, mas eu não teria como saber disso, se não tivesse contado.

Melhor guardar essas varas...