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Marina Cau Ucella
Criar Ribeirão Preto

Antes da eternidade, o fim

"Se queres a imagem do futuro, imagine uma bota pisando o rosto humano - para sempre". A imagem prevista por George Orwell, em seu livro "1984", tornou-se a realidade atual. Indivíduos, sociedade e Estados organizam sob botas a pisar, cada vez mais fortes, sobre seus crânios. O poder do mercado a todos subjuga, ainda que de formas e intensidades diversas. A grande questão: estaremos fadados ao "para sempre" como, tenebrosamente, profetizou o escritor inglês?

Na atualidade, nota-se um crescente desrespeito aos indivíduos. Promessas de mais segurança, em sua maioria utópicas, são desculpas para a restrição das liberdades individuais. Exemplo claro disso é a constante vigilância a que somos submetidos, sempre forçosamente sorrindo para câmeras que nos prejulgam ladrões. O preconceito, outro tipo de restrição da individualidade, também cresce. Homossexuais, negros, mulheres, idosos, enfim, as chamadas "minorias" sofrem com a imposição de comportamentos "normais", sendo tudo aquilo que destoa do padrão imposto, uma aberração. O mercado dita ideias e comportamentos, massificando os, outrora, indivíduos. Coturnos capitalistas comprimem as mentes, impedindo-as de pensar. Não por acaso tornou-se famosa a paráfrase: "Compro, logo existo".

A subjugação ocorre, também, entre as sociedades. Com modos de vida diferentes, refletindo a pluralidade natural dos homens, diferentes sociedades entram em confronto defendendo, cada qual, uma suposta superioridade. Guerras, então são brutalmente travadas, centenas de pessoas são mortas, incluindo os soldados com seus coturnos. Seres humanos são pisoteados apenas porque são Sunitas ou Xiitas, janjawid ou não-árabes, ocidentais ou orientais. A opressão ocorre mesmo em sociedades que foram, num passado próximo, expoentes de "liberdade, igualdade e fraternidade": na França, a xenofobia cresce com rapidez, avançado como fogo sobre o rastro de pólvora deixado pela recente crise. Essa revela a primordial motivação da luta entre essas sociedades: a busca, alucinada, por mais recursos e capitais.

A subordinação dos indivíduos e sociedades só é possível graças à submissão, em maior ou menor grau, dos Estados ao mercado. A crise de 2008, iniciada nos EUA, reflete-se ainda hoje no mundo, sobretudo na Europa. A necessidade de auxílio estatal para a contenção da crise no sistema capitalista não mostra a submissão desse, àquele. Na verdade, e paradoxalmente, mostra a subserviência de Estados que partilham prejuízos e privatizam lucros, tornando-se fiadores compulsórios das grandes corporações. Essas, muitas vezes mais ricas que muitos Estados-nação, tornam-se poderes paralelos, que não respondem à constituições, mas ao capital. E esse, bem sabemos, não possui escrúpulos.

Com a face rente ao chão e sob o peso da bota que nos faz agonizar, a subordinação parece-nos a única forma de, ao menos, sobreviver no sistema. Escondemos nossa opção sexual, enterramos nossos mortos, pagamos por prejuízos que não produzimos... Entretanto, a apatia dá ainda mais força ao sistema e esse comprime-nos ainda mais, exigindo maiores sacrifícios. George Orwell errou sua profecia, pois se a imagem de nosso tempo - o futuro para ele - é, de fato, uma bota pisando o rosto humano, essa imagem não se perpetuará. Se nada fizermos para nos livrar da subjugação, não haverá um "para sempre". Seremos esmagados antes.