MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Micheli Martesi
Criar São Carlos

Vida em dois tempos

"Não vivemos o presente. Estamos sempre à espera do final de semana, do feriado ou das férias. Jamais estamos atentos ao aqui e agora, então nos falta a satisfação do hoje". Isso é o que pensa a maioria das pessoas que idealizam momentos que acham não viver. Mas é pelo fato de não vivermos esse presente que nos diferenciamos dos animais. Se vivêssemos como eles, nós não seríamos quem somos e sim um ser animado qualquer, não dotado da inteligência abstrata que conquistamos com a saída do mundo presente.

E essa fuga tem destino ao futuro. E é ao futuro que Gusdorf dizia que "o homem não é o que é, mas é o que não é", ou seja, ele está em constante transformação e é o produto de um futuro construído no presente. Logo, se Marx não tivesse vivido o capitalismo, jamais teria formulado um sistema diferente desse. Assim, estamos atentos ao presente, diferentemente da concepção comum, senão não teríamos tentado mudar nossas vidas inúmeras vezes ou até mesmo procura um presente que nos agrade.

Isso porque nunca estamos contentes plenamente com a nossa realidade. Temos que viver no "mundo do man" - expressão proposta por Heidegger - regido hoje pelo capitalismo, que consome o homem através do trabalho. E se este trabalha para fazer um homem ao mesmo tempo em que uma coisa - como propunha Mounier -, ele se torna alienação. Em vez de contribuir para a realização do ser humano, esse trabalho destrói sua liberdade e o faz estar sempre à procura de um tempo em que seus desejos sejam realizados.

E essa esperança de vivermos um momento que dificilmente alcançaremos conforme desejamos é o preço que pagamos por querermos viver em dois tempos: no presente e no futuro. Quando vivemos no presente, nos preocupamos com o futuro e ao estar somente neste, sentimos a necessidade de viver o concreto. E foi assim que aconteceu como Luísa de O Primo Basílio. Sonhava com um presente em que seria infinitamente feliz, como os personagens dos livros que lia. Mas quando este chegou frustrou todas as suas expectativas levando-a a um fim trágico: a morte. Assim, o melhor é não fantasiar um presente construído pelo mundo, dotado de experiências incompletas à nossa alma humana.