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Fernando Souza Lopes
Criar Ribeirão Preto

Tempos de Bêbado e de Equilibrista

2008. Cidade de São Paulo. Caia a tarde, em mais um dia de trânsito, o eterno caos metropolitano. Estivesse na ficção, recorreria a um super-herói, alguma tecnologia fantástica que pudesse me retirar daquele mar agitado de carros. Por estas na vida real, a rádio era a minha única alternativa de teletransporte. A viagem a que me conduziu levou-me contudo ao oposto da tranqüilidade que ansiava.

1968. A mesma cidade. Buzinas e protestos, caos em um diferente cenário: o político. Entre uma multidão enfurecida, meus pais bradaram liberdade. Eu, ainda pequeno, aguardava-os. Não compreendia a dimensão que aquelas vozes reivindicadoras tinham e o eco que formariam na minha e em outras tantas vidas.

Gutemberg e Anita, quando ainda jovens, conheceram-se em uma redação de jornal. Em pouco tempo estavam casados, e logo nasci. Tinha então oito anos, quando da agitação política, das longas esperas na casa de meu avô, do ano citado. Enquanto não voltaram meus pais, avô Chico e eu assistíamos aos tão famosos festivais. Em tentativas frustradas, tentava ele me explicar que era por muito dos temas escondidos nas músicas, como liberdade de expressão e imprensa, que lutavam meus pais. Porém, Caetano, Chico ou Gil me fariam esquecer o tempo. Então, chegaram Guto e Anita, e eu de novo me alegrava.

Um dia meus pais não voltaram. E nem os tantos outros que se seguiram. Dias intermináveis. Dias de mudanças. Transferi-me com todos os meus pertences à casa do meu avô Chico. Da espera, em casa, passamos à luta contra o exílio, aos protestos. Para nós, Costa e Silva era a imagem de um Fuhrer: cruel e ditador. A esperança, ele não foi capaz de privar-nos dela. Ao nosso lado, artistas e outros familiares guerreiros.

Foi então, em 1979, que o que me fez lembrar toda esta história fora lançado. "(...) Que sonha com a volta do irmão Henfil, com tanta gente que partiu, num rabo de foguete (...)". Assim, Elis Regina traduzia nossa dor. Pungente e não inútil, como dizia ela. Não sabia eu, então com 19 anos, revolucionário e reivindicador como meus pais, que, naquele mesmo ano, a família estaria toda reunida no Natal, como em tantos outros anos não estivera. Pela lei de Anistia, de Figueiredo, pude ver meu pai e mãe novamente.

Onze anos de separação, de histórias que não partilhamos em presença. De muito choro, muitas noites enluaradas, mas com estrelas sem brilho. De muitos porres, lembrando mesmo Carlitos, pelo silêncio incompreendido e vestes de luto. Um tempo que me lembro agora, aqui em meu carro, ouvindo "O Bêbado e o Equilibrista" com Elis Regina. Tempos em que vivi por vezes a incoerência e rebeldia de um bêbado, por outras a razão e calma de um equilibrista. A angústia ainda faz com que eu valorize minha liberdade e família. Inclusive meus filhos que em casa me esperam.