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Isabela Romeiro Vannucchi
Criar São Carlos

SEM TÍTULO

Talvez tenha sido a maior conquista de minha vida ter conhecido José Augusto dos Cantos e convivido com ele, sua bondade tropeçou em mim quando quase tudo estava perdido e em pouco tempo tornou-se para mim José Cantinho. Passados alguns anos, desde que o perdi, sei que foi meu pai, meu mestre.

José me adotou. Me ensinou a ler e escrever e me fez apaixonado por letras. Minha infância passou rapidamente sob a sombra de um abacateiro e ao som das histórias que lia, escrevia, contava e ouvia. Mas quando a adolescência me tomou nos braços, passei a questionar meu pai a respeito de sua solidão, e, de tanto insistir, me contou um pouco de sua história.

Dona Francisca foi quem ensinou a meu pai o significado da palavra amor e deu provas disto até o dia em que escolheu ser levada para deixar uma sementinha da paixão avassaladora que os agregava. Assim nasceu Rita Medeiros dos Contos, pessoa a quem meu pai daria a própria vida. Com a morte da amada e a filha nos braços, se entregou aos encantos dos livros e fez de sua casa, sede da Fundação Francisca Medeiros, lugar onde conservou e disponibilizou os livros de que a esposa mais gostava.

Como maneira de não deixar morrer os ensinamentos que Dona Francisca passava aos seus alunos a respeito da importância da leitura , meu pai ampliou as instalações da Fundação de modo a tornar os livros mais acessíveis aos jovens carentes, e foi em meio a este trabalho que eu o conheci.

Na noite de 27 de junho de1993, um acidente fez de meu pai mais uma vítima da imprudência no trânsito, e eu com 18 anos me vi ainda mais sozinho que há dez anos, quando aquele anjo que acabara de partir, me acolhera.

A tristeza correu parte do meu coração. Demorei a me acostumar com a ausência do mestre, até o abacateiro parecia sofrer com a falta que a nobreza daquela alma fazia. Todos os cantos da sede choramingavam. Parte de cada criança havia sido arrancada para nunca mais regenerar-se.

Passei noites em claro inconformado com tal crueldade do destino, pensei em voltar para o morro onde morava antes de conhecê-lo, mas no olhar daqueles jovens tinha parte do que já fui, encontrava neles, fragmentos da essência de meu pai. Decidi, então, assumir o controle da Fundação.

Quando as coisas estavam se ajeitando fui surpreendido por uma mulher que entregou-me um documento que me obrigava a deixar a sede. Inconformado com tal crueldade disse que aquilo era a materialização dos sonhos de meu pai e sem que me deixasse terminar, disse: "Sou Rita M. dos Contos, herdeira legítima disto tudo".

Não houve maneiras de reivindicar, em menos de 2 meses as lembranças guardadas nas entranhas de cada tijolo deram lugar à loja de decorações de Rita. Hoje mais de 15 anos se passaram desde a morte de meu pai e sei que sou muito mais filho dele que Rita e em respeito a isso e à minha inquietude tenho o orgulho de me apresentar: Pedro dos Contos, fundador da Biblioteca Etinerante José Continho.