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Laura Defensor Ribeiro
Criar Franca

Serras e saúvas

A vontade de resgatar as tradições de sua nação fez com que Policarpo, personagem de Lima Barreto deixasse a cidade e fosse passar longa temporada no meio rural. O tédio da modernidade, aflorada durante a "Belle Époque", fez com que Jacinto de "A cidade e as serras" - arrumasse suas malas e partisse para o campo. O que têm em comum Policarpo e Jacinto? Ambos compartilham a opinião de que a vida fora da cidade pode ser melhor ao homem que o confinamento urbano. Na realidade das cidades modernas, apressadas em seu crescimento e fervilhantes em suas populações, o caos do progresso já causa mais desgosto que fantasia de vida melhor. Homens e mulheres põem-se a sonhar com um reduto de paz campestre onde possam recuperar o sossego, há tanto esquecido.

Talvez tenham razão. A desordem com que o crescimento urbano instaura-se, sobretudo em nações mais pobres, e as exigências para que a manutenção das cidades seja viabilizada faz do sonho da civilização urbana realidade menos doce e confortada. Que o digam sobreviventes de desastres comuns às cidades! Recentemente, um desmoronamento em Niterói, no Morro do Bumba, vitimou famílias inteiras rechaçadas às encostas do asfalto. Barro, casa e filhos escoaram civilização a baixo. Tragédias como essa evidenciam a exposição humana a problemas urbanos que só fazem tolher dignidades e destruir das pessoas o direito à qualidade de vida. Exemplo disso são degradações físicas, com dificuldade de grande parte da população em obter água potável e condições básicas de saneamento e psicológicas - como distúrbios comportamentais angariados pela violência urbana e insegurança social.

Tantos são os problemas e defeitos da organização de comunidades em cidades, como também são incontáveis as vantagens. A concentração de serviços e pessoas em um ambiente comum possibilita relações e interações talvez inviáveis pelas distâncias da vida no campo. São escolas, empresas e indústrias os principais motores do engendramento social possível de promover a realização pessoal e a concretização de ambições. Com a derrocada do império romano, por exemplo, a Europa viveu extenso período de ruralização, com a organização de feudos. Ao final da Idade Média, observou-se então a retomada urbana, o renascimento comercial e cultural. Conclui-se, portanto, que a cidade é responsável, principalmente, pelo enriquecimento humano a partir da proximidade de costumes e conhecimento.

Assim, ainda que as cidades não sejam ambientes perfeitos à sobrevivência humana, são os lugares mais viáveis e reais à habitação. O bucolismo do campo logo seria desarticulado se parte da sociedade optasse por abandonar seus apartamentos e as avenidas abarrotadas para tentar a vida próspera do campo. Ademais, a falta de planejamento e o desamparo de povos também tomariam o sossego de fazendas, chácaras e ranchos. Causariam indignação, como Jacinto ficou indignado ao ver o povo doente nas serras sem o socorro médico, e injuria, como Policarpo ficou injuriado ao não saber lidar com as saúvas que devoravam suas plantações. Logo o caos, semelhante ao urbano, sorveria a paz rural.