MELHORES REDAÇÕES DE ALUNOS

Murilo Mellem Mazzota
Criar Franca

O inevitável

O cheiro úmido, ao alvorecer, do capim. A celeridade das maritacas à boca da noite. O cheiro de café nos convidando a um farto lanche vespertino. Ah, que saudades tenho da vida na fazenda. Dias que o tempo roubou, noites que não regressam mais.

Eu, quando pequeno, era uma criança muito só. Papai era o caseiro de uma fazenda muito grande onde morávamos e mamãe morreu, segundo ele, logo após me trazer à vida. O que eu sabia sobre o mundo se restringia aos sons e às cores da fazenda.

Assim, que completei meus seis anos, ganhei um cavalo. Quando o avistei, fiquei encantado. Já estava acostumado a dividir meu espaço com os animais na roça em que vivia, mas nunca tinha visto nada parecido antes. Ele tinha um rabo longo e dourado. Era imponente, dos olhos negros, grandes e também brilhantes como as ameixas que ornavam os doces que minha tia Imaculada fazia.

Minha vida mudou. Eu e Dourado, pois foi assim que o nomeei, éramos inseparáveis. Percorríamos todos os cantos da fazenda juntos. Íamos até lugares distantes, recônditos na fazenda e descobríamos paisagens exuberantes que deleitavam minhas tênues retinas. Quando cansados, interrompíamos o percurso e bebíamos um pouco de água num pequeno regato que por lá havia. Saciávamos a sede e, depois, exprimíamos uma mescla de prazer e agradecimento trocando olhares fixos e intensos. Dourado me falava coisas que certamente as palavras não seriam capazes de dizer.

Num dia chuvoso e frio, acordei triste. Não sabia por quê. Era um sentimento pungente que feria minha alma. Tinha medo, porém não tinha consciência do quê. O tempo se passou e a dor relutava em não me abandonar. Durante muitos outros anos, cavalguei com meu caro amigo pela fazenda e minha angústia não se extinguia.

Foi então que... Dourado morreu. E agora compreendo o que temia. Sei que sabia, de algum modo, que nada é eterno e que ele um dia partiria. Partiria assim como mamãe partiu. Partiria assim como também eu hei de partir.